A MENTIRA
Será inaceitável ou por vezes necessária?
São as pequenas mentiras de cortesia entre os indivíduos as mais comuns na vida em sociedade? Não apenas. Também mentimos para agradar ao próximo, para sair de uma situação embaraçosa, para manipular, para obter algo ou para nos proteger. Então, devemos fazer da sinceridade o nosso estandarte ou aceitar que a mentira faz parte das convenções sociais? Vamos explorar essa questão.
Já alguma vez proferiu uma afirmação mentirosa para facilitar a sua vida? Por exemplo, já disse que tinha muito trabalho para evitar uma saída à noite? Ou que o seu filho estava com febre para não visitar a sua família política? Ou simplesmente enviou a mensagem “desculpa, esqueci-me de te responder”, em vez de explicar claramente a uma pessoa que não está interessado nela?
Alguns consideram essas técnicas como “pequenas mentiras” ou espécies de verdades ajustadas, muitas vezes inventadas para evitar magoar outra pessoa ou para proteger o seu próprio bem-estar. Seria uma forma de cortesia ou uma maneira peculiar de cuidar de si mesmo e dos outros?
Por que mentir?
A mentira é uma afirmação deliberadamente falsa, ao contrário da contraverdade ou do erro, que não são intencionais. Pode situar-se no dizer ou no deixar acreditar. Neste último caso, trata-se de uma mentira por omissão. Em ambos os casos, parte de uma intenção de agir sobre o outro com base em elementos falsos, em uma fraude.
Socialmente, a mentira está numa situação dupla: condenada moralmente pela maioria das culturas, mas percebida como indispensável. De facto, sem essas pequenas acomodações com a verdade, a vida em sociedade seria apenas confrontos.
Distinguem-se duas categorias de mentira:
- Mentiras pró-sociais: visam proteger ou tranquilizar os outros (“Como achas que está o meu vestido? Perfeito!”), mesmo que joguem contra nós (“Estou a incomodar-te? Não, não”).
- Mentiras egoístas: são motivadas pela busca de um benefício pessoal, seja para evitar (uma punição, uma sanção) ou para ganhar (uma boa imagem de si mesmo), eventualmente em detrimento dos outros; são então classificadas como antissociais.
A mentira seria, portanto, uma tática social bastante eficaz. Em geral, as pessoas à nossa volta não esperam que mintamos, e, mesmo que a mentira possa ser benéfica em alguns casos, esse mecanismo permite também que os mentirosos se safem com frequência. Aqui estão as situações mais comuns que nos levam a modificar a realidade.
Mentir para bajular ou evitar magoar
A bajulação é uma das formas mais comuns de mentira no mundo. “Engordei?” “Gostas do meu novo corte de cabelo?”. Às vezes, é difícil responder honestamente a essas perguntas sem ofender ou magoar a pessoa. Um falso elogio pode ajudar a formar uma amizade, evitar uma situação embaraçosa, incentivar alguém a se abrir, e muito mais.
- A nível pessoal: Aquele que não sabe mentir, pelo menos por omissão, pode colocar-se em perigo. Não é aconselhável dizer a verdade sobre o seu estado de saúde a pessoas demasiado curiosas; é aceitável melhorar um pouco a sua imagem durante uma entrevista de emprego…
- A nível relacional: Existem as mentiras altruístas, outrora chamadas de “mentiras piedosas”, aquelas que se dizem para evitar magoar ou assustar o outro: “Sim, estás com bom aspecto” ou “Não, não me magoei”.
Por que devo questionar os limites?
Mentir a uma amiga que pede uma opinião sobre o novo penteado evita magoá-la, mas será que isso realmente a ajuda ou a respeita? Ou será que estamos realmente a viver uma relação autêntica com a pessoa? De acordo com os nossos próprios valores, a mentira pode ser acompanhada de dois tipos de emoções:
- O prazer de mentir (ligado, por exemplo, a uma sensação de poder que pode ser intoxicante);
- Ou a vergonha e o sentimento de culpa.
Quando mente a alguém, pergunte-se: que tipo de emoção sente? Trata-se de questionar e perceber bem o que se quer dizer, qual é o objetivo, e este deve ser construtivo. Deve haver um benefício esperado, seja para si ou para o outro. Se não houver, o silêncio é a melhor opção.
Mentir por cortesia ou para evitar o desconforto
Em princípio, podemos facilmente admitir ao nosso parceiro ou aos nossos amigos mais próximos que não temos vontade de sair do sofá numa sexta-feira à noite. Mas quando se trata de pessoas com as quais não estamos tão à vontade, a situação complica-se. E é aí que a mentira surge. Mentir para evitar o desconforto está muitas vezes associado ao desejo de ser querido pelos outros e de não dececionar ninguém.
A mentira mais evidente destinada a facilitar o quotidiano prende-se com a cortesia. Essa mentira, que faz parte das convenções sociais, tem o efeito de criar um vínculo. São atos reflexos que a maioria das pessoas que internalizou os códigos sociais utiliza. Um simples diálogo ou palavras como “Como está?” “Bem, obrigado” podem esconder duas mentiras…
Mas houve comunicação, mesmo que a um nível mais básico. É uma mentira sem segundas intenções, sem pensamentos secretos. Recusá-la em nome de uma certa intransigência moral é também cortar os laços com os outros.
Nem toda a verdade é boa para ser dita. Todos têm direito ao seu jardim secreto. Além disso, as “white lies”, como os anglo-saxões as chamam, estão no cerne das regras de cortesia, necessárias para a convivência em sociedade. Assim, as crianças aprendem a agradecer por um presente de que não gostam. E isso é melhor para todos.
Mentir para enganar ou influenciar os outros
Pode acontecer que mentimos para manipular os outros. Por exemplo, um vendedor pode inventar uma história absurda sobre um produto, dizendo que este mudou a sua vida, com o simples objetivo de vender o produto. É uma mentira, mas na maioria das vezes, é eficaz.
Mentira Egoísta
Em alguns casos, fala-se de mentira egoísta, aquela que permite apresentar uma imagem de si mesmo deliberadamente diferente da realidade, para tirar proveito, obter benefícios ou exercer poder sobre os outros. Esse tipo de mentira leva a conceitos errados para a pessoa que é alvo da mentira e confere poder a quem a proferiu. Compreende-se que seja geralmente condenado do ponto de vista moral, porque pode ser perigoso para quem a recebe; porque distorce as regras do jogo social e até porque pode voltar-se contra o autor se a verdade vier à tona.
No entanto, não podemos evitar mais a mentira egoísta do que a mentira altruísta; o importante é definir bem os limites nesse caso também. Por exemplo, o uso abusivo da polidez, quando chega ao ponto da hipocrisia, não é apenas uma mentira amigável. A intenção não é criar contato, mas usar o contato para benefício próprio. Pode parecer um detalhe, mas faz toda a diferença.
A Diferença Entre Mitomania Patológica e Mentiroso Compulsivo
Embora a mitomania não esteja listada nos manuais de classificação de distúrbios usados pelos psiquiatras (DSM-5), refere-se a uma tendência patológica de recorrer a mentiras sem estar consciente disso. O mitômano mente quase o tempo todo, sem objetivos específicos. Ele embeleza o mundo, inventa uma existência, provavelmente porque considera sua vida ou personalidade insuficientes. Ele é consciente do caráter mentiroso de suas palavras, mas esse imaginário permite que se sinta existir.
Sem ser exatamente mitômano, na medida em que não são enganados pelo que dizem, os mentirosos compulsivos já estão na esfera da dificuldade psicológica. Precisam embelezar uma rotina muito monótona? Falta de autoestima que os leva a não se mostrar como são? Forma de imaturidade que os faz continuar acreditando que são onipotentes? Em todo caso, esses mentirosos incorrigíveis correm o risco constante de se colocar em confronto com seu entorno e a sociedade. Eles se beneficiariam… em se conhecer melhor e não se enganarem.
Os mentirosos inveterados são poucos, cerca de 10% da população, e também se dividem em dois perfis. “O psicopata é um perverso maquiavélico que usa a mentira como uma arma de manipulação com o objetivo de prejudicar o outro”.
Mentir Pode Ter um Efeito Bola de Neve Perigoso
Mentir também pode ter um efeito bola de neve. Em outras palavras, uma mentira leva a outra: uma primeira mentira é lançada, e é preciso continuar no mesmo caminho. Começa-se com uma simples distorção da realidade (que nos convém), e acaba-se inventando outra verdade e a espiral das mentiras começa. No início, o sentimento de culpa incomoda, depois se torna cada vez mais fraco.
Para manter uma mentira, às vezes nos afundamos muito profundamente em uma espécie de vida paralela. A longo prazo, esse tipo de situação pode ser complicado de suportar, e a honestidade acaba sendo quase um alívio.
O que está em jogo? Nossa amígdala. Em 2017, pesquisadores do University College London (UCL) analisaram a forma como o cérebro reage quando se conta uma mentira, explica o Dr. Seron. Descobriram que a amígdala, a parte que gerencia algumas emoções, tende a se acostumar com isso. Isso é chamado de adaptação emocional: assim como nosso nariz se acostuma com o nosso perfume e acaba não o sentindo mais, nosso cérebro se acostuma com a mentira e a culpa diminui.
Não dizer tudo, é mentir?
Quando uma criança faz uma travessura, ela provavelmente negará o fato consumado, apesar da evidência. À medida que envelhecemos, aprimoramos nossas habilidades de mentira com o objetivo de nos proteger ou proteger os outros, assim como as crianças diante de uma travessura. Também podemos mentir para obter um resultado positivo, exagerando nossa experiência em um currículo para conseguir um emprego.
Os pais frequentemente se veem obrigados a mentir para seus filhos, principalmente para fazê-los obedecer. No entanto, de acordo com um estudo de Singapura publicado em outubro de 2019 no *Journal of Experimental Child Psychology*, essa abordagem pode ser prejudicial a longo prazo, pois encorajaria a criança a adotar um comportamento manipulador na vida adulta.
Ele ou ela mente o tempo todo: por quê?
Mentir sem saber é uma característica da infância. Por volta dos 2-3 anos, a criança inventa histórias porque acredita ser onipotente. Ela está convencida de que seus desejos podem mudar a realidade. Por volta dos 7-8 anos, a mentira infantil é mais uma pequena adaptação às regras (notas ruins na escola). Inconscientemente, a criança também usa a mentira para se lembrar das proibições que agora é capaz de compreender. A mentira faz parte de sua construção. Uma construção que pode ter sido distorcida em alguns adultos que não conseguem evitar distorcer os fatos…
É possível desmascarar um mentiroso?
Existem técnicas para desmascarar uma mentira, como analisar a linguagem corporal da pessoa (postura, olhar, voz, etc.). No entanto, é estatisticamente pouco provável desmascarar um mentiroso. A verdade é detectada aproximadamente 54% das vezes, apenas um pouco acima do acaso.
Mas a dissimulação não está sempre acompanhada de emoções evidentes? “Nem sempre”, um bom mentiroso conseguirá esconder seu desconforto, e uma pessoa inocente pode muito bem mostrar sinais de ansiedade. Assim, a maioria das mentiras é descoberta muito tempo depois de serem proferidas.
Como reagir quando um mentiroso é descoberto ou quando mentimos?
É uma situação muito desconfortável, que desperta medos arcaicos, pois a sobrevivência da nossa espécie depende da nossa capacidade de transmitir as mensagens corretas, explica o especialista. Em caso de erro, é melhor não negar o óbvio, pedir desculpas e, principalmente, refletir sobre as motivações.
Mentir para o outro muitas vezes é mentir para si mesmo, não querer reconhecer a realidade porque ela parece muito desagradável ou difícil de assumir.